terça-feira, 3 de maio de 2011

“O oxi só entrou em evidência porque começou a atingir as classes mais altas”, afirma pesquisador

Autor da primeira pesquisa cientifica que motivou as reportagens sobre a droga, destaca que a questão não é falta de estrutura familiar, mas a ausência de políticas públicas de drogas. “A culpa não é das famílias, a culpa é do governo, como instituição”.
Diante da confusão coletiva que se estabeleceu, após as reportagens que apontaram o Acre como o corredor de entrada do “Oxi” no Brasil, o autor do estudo científico sobre a substância, revelou que o material de sua pesquisa, não tinha como intuito motivar reportagens ou apontar culpados pelo consumo e o tráfico da droga, mas alertar a sociedade sobre os perigos que representa o consumo da substância que só precisa ser usada uma única vez para viciar.
Muito mais agressivo e destrutivo  que o crack, o “oxi”, segundo o pesquisador Álvaro Mendes, entra e domina o cérebro do usuário da droga em menos de seis segundos, causando danos irreparáveis aos dependentes. A pesquisa sobre a suposta nova droga, foi realizada entre os anos de 2003/2005, sendo apresentada, de acordo com o autor do estudo, como uma forma de alertar as autoridades  pela falta de políticas públicas de drogas.
“Estamos realizando um novo estudo, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas. Mas de antemão, posso afirmar que as coisas não mudaram muito”, diz o vice-presidente da Associação Nacional de Redução de Danos (Aborda), Álvaro Mendes, destacando que o problema de consumo de “oxi” é antigo, mas só agora está chegando ao conhecimento da opinião pública, porque pessoas de classes sociais mais elevadas se envolveram com a droga.
“Não é novidade o que está acontecendo no Acre. O problema ganhou novos contornos pelo envolvimento de pessoas de classes média e alta. Estas pessoas tem direito a voz, enquanto os primeiros viciados no “oxi” morreram sem ter qualquer tipo de atenção, excluídos pela discriminação dos que detém maior poder de decisão. Não podemos abafar os acontecimentos, talvez agora, as autoridades acordem para o problema” destaca Álvaro.
De acordo com o estudo apresentado em 2005, quando o pesquisador ainda era presidente da ONG Rede Acreana de Redução de Danos (Reard), o “oxi” é similar ao crack, e surgiu na fronteira do Acre e Amazonas, na Venezuela, Colômbia, Bolívia e Peru, nos anos 80. A diferença estar na composição química do refugo de cocaína, que depois de passar por um processo de fabricação caseira é obtido a partir da mistura da pasta-base de coca ou cocaína refinada (feita com folhas da planta Erythroxylum coca).
A composição final do “oxi” é gasolina e cal virgem (quando não tem gasolina é utilizado o querosene). Quando aquecido a mais de 100 graus, o composto passa por um processo de decantação, em que as substâncias líquidas e sólidas são separadas. O resfriamento da porção sólida gera a pedra do “oxi”, que concentra os princípios ativos da cocaína. Dependendo da fabricação caseira o “oxi” tem varias tonalidades e potencia, chegando a ter 80% de cocaína, enquanto o crack tem 40%.
As variações na fabricação da droga que se assemelha ao crack
A pedra na cor esbranquiçada tem mais cal virgem, a de cor amarelada, tem mais gasolina, causando ao usuário, vomito e diarréia no uso excessivo;  a de tonalidade roxa tem a proporção igual de gasolina e cal virgem, e é a preferida pelos viciados, pelo efeito alucinógeno, esta variação também é conhecida pelos graves danos que causa. Por ser produzido de maneira clandestina, sem qualquer tipo de controle, há diferença no nível de pureza do “oxi”, que também pode conter outros tipos de substâncias tóxicas - cal, cimento, ácido sulfúrico, acetona, amônia e soda cáustica são comuns.
A pureza do “oxi” depende do valor pago na matéria-prima usada pelo produtor. Se a cocaína for cara, é misturada com outras substâncias, para render mais. Se for de uma qualidade inferior, pouca coisa ou nada é adicionada. O “oxi” provoca o dobro da euforia propiciada pela cocaína, seus principais efeitos colaterais são aumento da pressão arterial e alto risco de infarto e Acidente Vascular Cerebral (AVC). No uso prolongado da substância, o cérebro sofre uma serie de micro infarto que provocam perda da memória e diminuição da capacidade de concentração e de raciocínio.
Segundo as pesquisas de Álvaro Mendes, o que faz o “oxi” ser mais destrutivo e perigoso que o crack é que ao ser ingerido, o dependente está enviando querosene (gasolina) e cal virgem para o pulmão. Cal, de PH muito básico, produz graves queimaduras no órgão, e o querosene, por ser um solvente poderoso, pode levar, em médio prazo, a falência dos pulmões.   Já o crack na sua composição final depois de passar por varias transformações caseiras, recebe Amoníaco e Bicarbonato.
“Na pesquisa que realizamos entre 2003 e 2005 foi constatado que o baixo preço da droga e a possibilidade de fabricação caseira atraíram consumidores que não podiam comprar mais cocaína refinada, mais cara e, por isso, de difícil acesso para se injetar devido o preço, e dificuldade de conseguir as seringas”, afirma Álvaro Mendes.
“É preciso desmistificar sobre a origem de a droga ser do Acre” 
“Não podemos fechar os olhos para o problema social vivido pelo Estado. Precisamos desmistificar a droga em si, além de informar que o Acre não chega a ser um produtor de drogas, mas é atingido em cheio pelos seus efeitos devastadores” lembra Álvaro Mendes, que segundo seus levantamentos, na época o “oxi” surgiu no interior do Acre, fronteira com a Bolívia e Peru no final da década de 1980.
Na época, segundo o pesquisador, os jovens atraídos pelo baixo custo da droga, viram no “oxi”,  uma opção de substituir a merla, mas com maior poder de Alucinação. Ao longo dos anos, foi adicionado a dorga, novos produtos químicos, ficando mais barata ainda, e causando efeitos de vômitos e diarréia deixando o usuário dependente em pouco tempo de uso.
A droga da periferia como ficou conhecida nas cidades do interior, em um ano, matou 33% dos usuários, devido à vulnerabilidade social e abuso da substância,  que causa lesões graves no sistema nervoso, além de degeneração das funções hepáticas. No Acre, o consumo acontecia mais na classe C, mas depois de alguns anos, a droga se popularizou na classe média alta.
A primeira apreensão de “oxi” aconteceu em Belém. Em 2011, em São Paulo, o Denarc (departamento de narcóticos), da Polícia Civil de SP, apreendeu cerca de 60 kg de ”oxi”, com traficantes que atuam na região da cracolândia, na região central da capital.
“O oxi é uma droga que pode ser facilmente produzida, não só no Acre, mas em qualquer outro estado que tenha acesso à cocaína. Pela proximidade da fronteira, o Estado passa a ser mais visado. Enquanto não tiver um policiamento eficaz, sempre acontecerá o tráfico, a questão não é só de repressão, precisamos de políticas pública eficazes para cuidar das pessoas que tiveram acesso a droga, e prevenir que outras não venham a ter este contato”, enfatiza Álvaro Mendes.
Estado sofre com ausência de políticas públicas de drogas
O pesquisador Álvaro Mendes diz que o Acre, já deu um importante passo rumo à solução social do problema, na criação do Conselho Estadual de Entorpecentes, que segundo ele, pode fazer a diferença na prevenção do consumo de “oxi”, contando com a participação de várias entidades ligadas ao combate e prevenção do consumo de drogas.
Mas o projeto do Conselho, ainda não deslanchou, de acordo com Álvaro, pela falta de apoio político dos deputados estaduais. “Não podemos ficar apenas no discurso, precisamos que as medidas sejam colocadas em prática, para que o Estado não sofra com a ausência de políticas públicas de drogas”, diz o pesquisador.
Outro ponto abordado pelo pesquisador seria que o governo, não nomeia conselheiro, há mais de oito anos. “Foi elaborada uma nova lei, mas não foi apresentada na Assembleia Legislativa do Acre. A culpa não é das famílias, a culpa é do governo, como instituição. O Conselho seria a entidade máxima para falar da política de drogas no Estado” afirma Álvaro.
O vice-presidente da Aborda, diz ainda que apresentou os resultados de sua primeira pesquisa, no ano de 2005, para que o governo tomasse providências, sobre políticas públicas, mas não houve resultados.
“Não são números fictícios. A BBC de Londres, já fez um trabalho de levantamento e constatou os mesmos problemas. Os políticos criticaram as reportagens por omitir nomes, mas se isso aconteceu foi para não expor as pessoas, evitando que elas sejam tratadas com criminosos pela polícia. Temos vários exemplos de ações policiais movidas pela mídia, eles vão até o local e atacam o problema pelo lado errado. Essas pessoas são vítimas dos cartéis, estes sim, precisam ser combatidos. O dependente precisa de auxilio para sair da marginalidade provocada pelo vício”, desabafa Ávaro.
Tabu, preconceitos e discriminação da sociedade e dos políticos
“Alguns políticos se chocam com as informações obtidas pela imprensa, devido o fato dos usuários de drogas, muitas são vezes, invisíveis a eles e sociedade, pois os usuários vivem no mundo que para muitos está  escondidos debaixo do tapete, portanto, é de se compreender a reação das pessoas quando se tira os usuários de drogas do lugar onde estão e é mostrado como vem sendo feito pela imprensa, que é para servir de alertar que o problema existe e que é preciso trabalhar para que se tenha uma política de governo de fato, para diminuir os fatores de vulnerabilidade associados ao uso ou abuso do álcool e de outras drogas” diz o vice presidente da Aborda.
A Atual Política de Drogas Brasileira, já prevê uma série de ações e dispositivos que, se efetivados proporcionariam uma atenção integral as pessoas que usam drogas, segundo Álvaro Mendes, é preciso avançar na efetivação destas ações e também no aprofundamento do debate junto à população.
No caso do Acre, já começou a tentativa de se avançar com a estruturação da nova lei do CONEN-AC que foi elaborado com a contribuição de técnicos escolhido para este fim em 2010. “Mas que precisa de mecanismo político para o conselho ter seus conselheiros empossados que é de suma importância para que estes desenvolvam mecanismo de se trabalhar a Política de Drogas no Acre”, alerta.
Os movimentos sociais que atuam no acolhimento humano destas pessoas têm demonstrado resultados significativos, afirma o pesquisador, destacando os movimentos de redução de danos e algumas comunidades terapêuticas.
“A Política de Drogas para Acre exige o compartilhamento de responsabilidade entre os diferentes segmentos (gestores, trabalhadores, familiares, usuários de drogas e sociedade) numa ação conjunta baseada no apoio mutuo conhecimento e criatividade, formando uma rede de cuidados, intersetorial e interinstitucional”, orienta Álvaro.
A questão do uso de drogas não está relacionada somente com a saúde, defende a Aborda, destacando que o envolvimento dos outros setores das políticas publicas, Educação, Justiça, Segurança, Assistência social, cultura, dentre outros,  no desenvolvimento de ações conjuntas.
É de extrema importância a criação e ampliação dos espaços de lazer, esporte e cultura como estratégia fundamental de promoção de saúde e qualidade de vida, enfatiza Álvaro, lembrando que a ausência de tais espaços tem implicações diretas no aumento do consumo de drogas entre crianças e jovens.
“A falta de condições sociais são os maiores fatores desta mazela. O governo tem que dar condições mínimas de moradia, saneamento básicos, educação, lazer, emprego e renda, meio ambiente segurança. Estas políticas é dever do estado garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem redução de risco e de doenças e de outros agravos e acesso igualitário as ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação(constituição federal, art. 196 de 1988).
Prostituição e uso de drogas, atividades marginalizadas pela sociedade
Mesmo com as reportagens aliando o uso de “oxi” e outras drogas que existem no Acre, a prostituição entre jovens, as atividades muitas vezes não se associam.  A prostituição também é uma realidade na sociedade acreana, mas não pode ser creditada apenas ao uso de drogas, muitas vezes as pessoas que se prostituem usam a atividade como meio de sobrevivência.
A sociedade e governo devem buscar alternativas preventivas com solidariedade, sem preconceitos e discriminação, que são os marcos norteadores de toda e qualquer intervenção que pretenda fazer para minimizar os danos decorrente do uso de drogas, que alguns casos, está ligado as relações sexuais desprotegidas e com isto tornando estas populações vulneráveis as Dst/Hiv/Aids/Hepatites e violência social.
“Sabemos que a construção da cidadania do usuário de drogas, frente à ilegalidade de suas práticas é o maior impasse para o planejamento de programas de prevenção que valorizem os direitos humanos e respeitem a autonomia dos sujeitos. É através do direito básico a informação, e de uma legislação apropriada que o cidadão poderá se lançar na busca por outros direitos fundamentais, como o acesso a serviços de saúde, a tratamentos adequados e melhoria de sua qualidade de vida. Em questões relacionadas ao uso de drogas, sexualidade, DSTs, Aids, Hepatites, Violência, Preconceitos, Direitos Humanos, que propiciem a escolha de um modo de vida saudável, estes são os objetivos da Redução de Danos, política oficial de governo. Portanto, constitui-se uma ferramenta importante para o combate da prática da prostituição e consumo de drogas, marginalizados pela sociedade contemporânea”, finaliza Álvaro Mendes.
Ray Melo, da redação de ac24horas – raystudio3@gmail.com

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